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A hiperconexão e o sentimento de solidão: Estou conectado e ainda assim me sinto sozinho

outubro de 2025
10 min
A hiperconexão e o sentimento de solidão: Estou conectado e ainda assim me sinto sozinho

Se Carlos Drumond fosse reescrever o poema Quadrilha nos dias atuais seria mais ou menos assim:

João que deu match com Teresa que mandou WhatsApp para Raimundo que curtiu o story da Maria que curtiu todas as fotos do feed do Joaquim que começou a seguir Lili que posta foto todos os dias.

Maria que bloqueou Raimundo que nunca respondeu Teresa que gostou da frase de perfil de Joaquim que mandou emoji de foguinho para Maria que comprou a saia por influência de Lili para sair com João.

Maria que deu ghosting em João que foi jogar poker online com Raimundo que fez perfil falso para perseguir Teresa que repostou uma frase motivacional de Lili que mandou nudes para Joaquim.

Ninguém nunca se encontrou.

Continuaram sozinhos.

O poema funciona como um retrato literal e metafórico das relações contemporâneas: ao mesmo tempo em que somos capazes de estar conectados com centenas de pessoas (hiperconexão digital), a intimidade real se enfraquece. As redes sociais, com perfis, curtidas, stories e mensagens instantâneas, criam uma proximidade ilusória: um espaço em que estamos “juntos” digitalmente, mas muitas vezes sozinhos na experiência afetiva.

Percebemos a crescente deste fenômeno pela alta procura em consultórios de psicologia de pessoas buscando apoio psicológico com a queixa de que sentem estar vivendo relações superficiais, sentindo cada vez mais solidão e como consequência, se isolando socialmente.

A psicanalista Ana Suy observa que o sujeito contemporâneo vive vínculos frágeis, marcados pela simultaneidade do desejo de conexão e do medo de exposição. Cada match, cada bloqueio, cada emoji ou story visto revela um padrão de proximidade-distância: aproximar-se quando o outro demonstra validação, se afastar ao primeiro sinal de vulnerabilidade e evitar relações com intimidade genuína, são padrões de comportamentos atuais, diz Ana Suy.

A também psicanalista Viviane Mosé acrescenta que a hiperconexão digital também altera a experiência do tempo e da presença, gerando dispersão mental e dificultando a atenção plena ao próprio momento vivido (Mosé, 2019).

Byung-Chul Han discute como a sociedade digital e hiperconectada gera relações frágeis e vazias, vínculos superficiais e medo de compromisso, descrevendo a cultura contemporânea marcada pelo excesso de visibilidade, comparação constante e solidão em meio à multidão (Han, 2012).

O paradoxo é evidente: o espaço digital está povoado de gente, mas o sujeito se sente sozinho. As interações são simultaneamente numerosas e superficiais; o contato existe, mas não o afeto pleno. Reconhecer essa contradição é um passo crucial para resgatar vínculos mais humanos.

Perceber que a presença digital não substitui o afeto vivido, que a intimidade verdadeira exige tempo, que atenção e presença são possíveis, ainda que imperfeitas. Entre o que se oferece nas telas e o que se sente na carne, existe um intervalo — um espaço potencial para o afeto, a intimidade e o encontro real, lento, imperfeito e humano.

Se você sente que a hiperconexão digital aumenta sua sensação de solidão ou te causa ansiedade, é um sinal de que talvez precise de apoio psicológico. Se fizer sentido para você, agende uma primeira sessão de psicoterapia online.

Referências bibliográficas

  • Han, B.-C. (2012). A sociedade do cansaço. São Paulo: Vozes.
  • Mosé, V. (2019). O que é o amor?. São Paulo: Companhia das Letras.

Suy, A. (2018). Vínculos contemporâneos: psicologia e sociedade líquida. São Paulo: Editora Contexto

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